segunda-feira

Bia,
Hoje te escrevo de um país que não sei o nome. As pessoas riem e se abraçam, pouco depois devoram-se, e aqui não falo de comer coração.
Comem o fígado, o pâncreas, os rins... Comem o outro inteiro, sem piedade e sem amor.
O lugar é incrível. Eu poderia dizer que estou em qualquer lugarejo da África. Uma aldeia pós-moderna. Onde as hienas se disfarçam de leões. As pessoas se disfarçam de objetos. Todos, realmente todos procuram ter utilidade. Todos possuem serventia, basta revelar-nos os sonhos. São sedentos. Temerosos da inutilidade. Riem e rugem.
Desta vez vim sozinho, não trouxe nenhum dos nossos Oscares. E nem quero levar presentes daqui. Parecem falsos. Frágeis, prontos pra quebrarem no primeiro afeto. São alegorias tristes. Bichos-preguiça com despertador implantado na cabeça. Se misturam sem perceber, sem querer. Quase sem saber que as maiores toxinas vêm da mistura inconseqüente. Transitam solitários pelos salões sem nobreza nenhuma. Circulam com xales, e argolas, tentam se destacar da multidão por um punhado de abraços. Entre gestos e dentes querem sair da vitrine.
- Me compre, sou da melhor qualidade.
- Me leve no bolso. Sou leve, carrego sonhos no passado.
- Deixe esse aí, é pesado.
Eu vou contigo te dou meu braço. Quero só um abraço.
Todos sem exceção berram, estão cansados, querem sair daqui.
Suplicam que a flecha os acerte o peito e em estremecido desespero os faça despencar numa queda ascendente, de volta à superfície.
Descobri um presente pra você. Depois de dias e noites misturado invisível. Descobri um Oscar. Ele me abraçou, envolveu inteiro. Falou baixo o seu nome (por isso é seu). O camaleão Oscar. É quase como se fosse a máscara do Arlequim. Ele nos faz andar por aí, se misturar sem ser percebido. Ele explode o ponto. Rasga o peito em devaneios mas nos protege das hienas leões.
Em Oscar, desta viagem, trago dois, um pra mim, e outro pra você.
Com tantas viagens meu bem. Precisamos dele. É nossa carta na manga. Nosso trunfo. Nosso passaporte pra cruzar as fronteiras sem sermos vistos.
Te entrego por carta, disfarçado em carta nosso Amuleto.
Com amor.
Fer (em alguma terra distante)

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